Infiltrado No Mundo

Como de praxe, ensaiei umas boas noites para poder voltar aqui. Não só me refiro ao espaço virtual do blog em si, mas ao fato de me colocar na frente do teclado e deixar que meus dedos dancem os compassos que minha, nem sempre tão lúcida, mente coreografa. É sempre um desafio falar, expressar-me abertamente. Minhas desculpas, constantemente, são mais fortes que a vontade de comunicar.
Mas enfim, não é momento de remoer minhas próprias neuras. Hoje quis contar um pouco sobre minha experiência ao assistir o último filme do Spike Lee, Infiltrado na Klan (BlacKkKlasman). Sou um grande fã de Cinema, mas já faz algum tempo que não tenho sentido vontade de assistir filmes e séries. É como se eu não tivesse paciência, antes mesmo da obra audiovisual comentar. Por exemplo, fazem alguns anos desde acompanhei com afinco os indicados nas várias categorias do Oscar. Em 2019, houve um fator que me fez querer acompanhar ao menos a cerimonia do prêmio. Lady Gaga estava concorrendo em duas categorias pelo filme Nasce Uma Estrela (A Star Is Born), Melhor Atriz e Melhor Canção Original por "Shallow"
Como fiel little monster, estive muito ansioso com meus sonhos utópicos de vê-la saindo aclamada como melhor atriz. Mas esta era a cereja do bolo. O bolo em si, era a probabilidade de Shallow levar para casa o primeiro Oscar de Gaga. E foi o que aconteceu, das 8 indicações, Nasce Uma Estrela levou para a casa a estatueta de melhor canção. Nem Gaga, nem Glenn Close levaram o Oscar de melhor atriz. A honra foi para Olivia Colman, protagonista do longa A Favorita (The Favourite).
Passadas as lágrimas de celebração por este momento icônico, fiquei inspirado em ver como ficou esta atuação que levará o "Oscar da Gaga". Esta vontade evoluiu para assistir outros filmes que estavam em instigando, como o aclamado Infilrado na Klan. O último longa de Spike Lee recebeu o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, o primeiro na longa e tremenda carreira do diretor. O filme, aborda um policial negro dos anos 1970 que fará uma investigação infiltrado no movimento supremacista branco Ku Klux Klan. No começo pensei que seria uma comédia. Com toques de humor ácido, o longa cresce e percorre elementos muito mais profundos do que risadas provocadas por piadas prontas. Infiltrado na Klan, faz uma discussão sobre como o problema do racismo,representado pelo coletivo de supremacistas estadunidenses, é um processo histórico que traz consequências até o presente. Essa crítica é feita por meio de narrativa que mistura a ficção com a realidade, onde um filme supostamente de comédia assume contornos de documentário e mostra uma mas das mais incríveis e louváveis características de Lee, sua militância. Você não precisa ser negro estadunidense para compreender a profundidade dramática do filme. Basta você ter consciência que vivemos em Repúblicas construídas com sangue e ossos de pessoas escravizadas durante séculos. O filme me trouxe a uma questão que constantemente reflito, a escravidão acabou? Infelizmente, a resposta salga meus lábios.
Quando o longa terminou, eu estava em lágrimas (só para variar). A conclusão do filme é épica, atemporal. Compreendo agora o choque de boa parte da internet quando viram Green Book: O Guia  levar o prêmio de Melhor Filme do Ano, mesmo que ainda não tenha assistido o vencedor desta categoria. Enfim, fui assimilando aos poucos aquele final que me desestruturou e aos poucos fui voltando para a realidade, melhor dizendo, a minha realidade. Eu abri o celular, entrei no Instagram para pesquisar algumas fotos sobre filme. Logo que entrei no feed de publicações, deparei com um vídeo publicado por um veículo de jornalismo independente, em que um homem negro era enforcado em um banco brasileiro. A resposta à minha pergunta, se a escravização havia acabado, estava respondida. Ali, a poucos centímetros e segundos do fim atemporal de Infiltrado na Klan. Não eram cenas de um filme ficcional, ou de um documentário sobre os ataques supremacistas brancos nos últimos anos nos Estados Unidos da América. Era no Brasil. Dentro de um banco. Uma instituição que além de cliente, fui funcionário (tercerizado). A humilhação, o descaso que a negritude, em nível mundial, vive é assustador. Mais do que isso, é ultrajante. Sociedades que se consideram civilizadas, assistem passiva e silenciosamente o massacre de toda uma comunidade, uma cultura. O homem é o lobo do homem, já diria Thomas Hobbes. Coitados dos lobos, por terem de carregar tamanha injustiça em sua raça.
Spike Lee em seu longa metragem infiltrou-se no meu mundo. Me atingiu como uma voadora no peito com sua visão crítica e singular. Era de filmes assim que sentia falta. Que me provocassem, emocionassem e, sobretudo, fizessem admirar mais ainda a sétima arte. Não vejo a hora de preparar alguma atividade em sala de aula para exibir trechos do filme e discuti-lo com minhas e meus estudantes. Infiltrado na Klan pode não ter levado o prêmio mais prestigiado da noite, mas como dizemos no mundo da música pop, a minha missão é divulgar e enaltecer. Divulgar esta obra prima de nosso tempo, que conta feridas não só do país que originou a filmagem, mas de toda uma sociedade que compartilha o mesmo passado escravocrata. Afinal em uma das falas mais célebres do filme: se não agora, quando? Se não você, quem?
E agora, Josés?

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