Vestígios

           Passamos muitos dias de nossas vidas remoendo dores e frustrações, reclamando para nós mesmos que ninguém consegue nos compreender. Caminhamos através dos anos tirando pequenas cascas dos nossos sonhos televisionados, aprendendo que esta jornada é mais solitária do que havíamos pensado.
            Uma amiga abandonou a faculdade e voltou para a casa dos pais a alguns meses. Nos arranjos universitários, consegui que meu namorado ocupasse o lugar desta amiga na república onde ela morava. Hoje fui limpar o quarto para levarmos as mudanças. Abri a porta do aposento e além de uma bagunça característica de minha amiga, papeis, cartazes e frases de canetinha cobriam as paredes branco encardidas. Colados atrás da porta estavam mensagens de quando minha amiga entrou na república e um cartaz de um de seus aniversários, espalhados nas outras extremidades do quarto pôsteres de militância universitária coloriam alguns cantos.
            Olhar aqueles adereços, traços da história de uma das minhas melhores amigas, foi ver também parte da minha história. Eram provas de uma amizade dos primeiros dias de universidade, uma energia que ainda vibrava nas paredes.
            Varrendo os cantos de azulejo rosado, lembrei das noites que minha amiga e eu passávamos acordados vendo série e comendo chocolates. Imaginei quantos outros amigos haviam estado ali também, quantas histórias esta amiga viveu naquele quarto. Das pessoas que se deitou, às noites em claro em rolês, senti quantos caminhos distintos aquele pequeno quarto havia juntado.
             Foi então que entendi o quanto deve ter sido difícil para minha amiga decidir largar o seu curso. Compreendi a dor que deve ter lhe perpassado a alma. Abandonar a faculdade era aceitar que uma das partes mais gostosas e descontroladas da vida havia acabado. Empacotar, o que quer que fosse, era dizer a si mesmo que os dias de irresponsável boemia se foram. Era hora de crescer, e isso nos machuca.
          Dói ver que os anos passam mais depressa do que esperamos. Dói aceitar que inúmeros dias ficarão entre você e seus melhores amigos. Alguns vão para voltar, outros escolheram caminhos que só outra vida poderá nos fazer cruzar novamente.
             É meu último ano nesta cidade também, mas parece que foi ontem que eu cheguei. Sou aquela pessoa que não se vê veterana, mas caloura. Passo estes últimos dias em uma cidade que me desperta emoções tão intensas e contraditórias! Mas esta é a vida. Um grande estado de consciência que nos permite entender aos poucos os caminhos das pessoas que amamos, mesmo que tempos depois de termos nos despedido. Hoje entendo o que minha amiga pensou, continuam a vibrar em mim as energias de seu quarto que me dizem que, apesar da dor, ela fez a escolha correta.
             Agora é minha vez. Meus últimos dias de universitário estão chegando. Meus olhos marejam as ruas apertadas de Alfenas. Meus fantasmas ocuparam todas as esquinas silenciosas desta cidade. Mas eles já não me assustam mais, mesmo com seu lado diabólico de me fazer soluçar de nostalgia. Já afirmava minha amiga nas paredes de seu quarto, a vida assusta mas é boa. 


---- Dedicado à minha amada, Luciana Santos. Sua alegria faz falta nos meus dias!! ----

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