Ensaio sobre o cinza




          Olhei ao meu redor, havia cores em tudo. Podia correr e sentir a brisa cortar meu rosto, rodopiando os fios curtos do meu cabelo. Os dedos cintilavam entre os obstáculos, os pés empurrando poeira e pedra. Que lugar bonito para estar. Com a alma eu abracei o azul do céu, o mundo bonito poderia caber nos braços pequenos. Mas com o céu vieram as nuvens, então chorei.
          A chuva me tragou, pela primeira vez questionei àquele mundo tão singelo porque tão intenso frio e silêncio; tristeza começava a contornar os traços das coisas e pessoas à minha volta. O cinza tomava minhas paisagens, minhas memórias; mas não lhes tomava todas as cores, as sobrepunha. Desejei avidamente devolver as cores ao meu mundo, queria de volta as cirandas do vento em meu cabelo.
          Como outras pessoas lidaram com isso? Não conseguia parar de pensar! Fui atrás de respostas, mas encontrei muitas outras perguntas. Quanto mais me aproximava de uma solução, mais rápida ela escapava entre meus dedos. Fina como areia, deixando pequenos rastros em minha palma. Que angustiante!!
          Os dias passaram, as cores ficavam mais fracas, opacas diante a bruma esguia que cobria as mesmas lembranças. Livros e páginas marcaram meu caminho, cada folha virada deixando aquela claridade de mundo para trás. Ao meu redor, o destino abria as cortinas de um espetáculo trágico. Dor, perda, solidão protagonizavam o show decadente. Uma performance do tempo das banalizações.
          Os volumes somavam, as perguntas ocupavam mais espaço, e as cores ao fundo de todos os pensamentos, agora embebidos da rigidez da realidade. Mundo real este onde acumular tornou-se sinônimo de sobreviver. Acumulamos sonhos que nos distanciam, objetivos que nos tornam mais mecanizados e pragmaticos. Se o mundo perdia suas cores, eram as pessoas felizes?
          É uma corrida árdua buscar ver cores neste mundo povoado por ilhas. Elas estão ao fundo, desfocadas pelo caos e rapidez de nossa sociedade. Somos a comunidade do eu. Perdemos uns aos outros na busca da inovação. Somos um povo sem identidade ou memória, porque tudo sobre nós deve ser novo, não tendo para o passado. Onde tudo é significativo, mais nada tem significado.
          Como diria a música, a ignorância é uma benção! Salvem-se os hereges!



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