O menino do olhar cinza

           O sol  banhava  toda a  rua, o mormaço tomava todos os espaços de brisa. Caminhava a passos lentos, subindo aos poucos o morro de paralelepípedos. Alguns carros sombreavam  a calçada, mas nenhuma sombra apaziguava  o calor.
          De mãos dadas com meu namorado,  segui a ruela  que era meu trajeto  diário para a universidade. Era um bom atalho para muitas pessoas. Das tantas vezes que a percorri,  sempre olhava para o chão buscando desenhos e padrões nos desgastados pedaços de concreto.
          Ocultado pelos carros opulentos,no canto de baixo de uma coluna  havia uma pintura de um menino.  Os traços mostravam que ele devia  ter entre 8 ou 9 setembros,  cabelos raspados,  barriga estufada e olhos marcados pelo abandono. Como  se quisessem dizer, "Não vai me ver?" Era uma pequena  pichação  nas costas de um  restaurante, porém me escancarava  o  quanto o mundo havia se fechado. Fechado seus olhos, tampado seus  ouvidos e escondido  a mão para aquele  menino cinza.
          Perguntei-me como não reparei  naquele desenho antes. Quantas vezes  subi o morrinho  sem  nem prestar atenção  naquele  olhar? Um olhar que rasgava tudo que pensava. Não me importava pensar a quanto  tempo alguém o havia pichado, mas importava que era  o retrato de tantas outros meninos cinzas que são ignorados e jogados, todos os dias em todas as sarjetas. Quantos outros, de  carne e osso, estão espalhados pelas esquinas da vida?
         Nossa sociedade os esquece gradativamente. Os matamos nos morros, com balas e palavras. Matamos seus sonhos e tiramos as cores de seu futuro. Aquele olhar gritava em minha alma. Eu, tão politizado de esquerda, que almejava mudar o mundo, não estava fazendo nada para garantir que as cores lhe fossem devolvidaa. Nem mesmo chegava a pensar em qualquer outro menino, se não em mim mesmo, na  minha revolução.
          E como poderemos falar realmente de revolução, se ainda há tantos meninos sem cor. Se a revolução não for de cor e felicidade, não será uma revolução. Lutar por um país melhor é treinar nosso  olhar para  estes pequenos pedaços cinzentos abandonados pela sociedade.
          Qual  é seu nome?  João? Pedro? Maria? Renata? Ninguém saberia, ou ao menos se importaria. Qual é o seu sonho?  Quem realmente está preocupado?! O menino cinza ainda ficará  escondido  de nós enquanto valorizarmos as rodas que movem nossa ganância.
          Embora o dia tenha passado, esse olhar não me abandonou. Está riscado no fundo do meu ego, serpente que se alimenta da própria cauda. Cinza como o medo de não ter um governo que pense no próprio povo. Aquele  velho olhar  num rosto tão  menino.

                     

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