O Dia Que Descobri Meu Patrono

          Ontem foi um dia corrido, como outro qualquer na vida de um universitário. Inúmeras aulas, textos, manifestações, publicações e seriados. A vida universitária te faz pensar em muitas coisas que você viverá, mas a principal vivência é problematizar aquilo que você passou. 

          Ao chegar em minha república depois das aulas, sentei com minhas colegas de casa e conversamos sobre diversas coisas. Amigos, cursos e nós mesmos. Riamos e refletíamos o quanto tudo ao nosso redor e principalmente nós havíamos mudado em tão pouco  tempo. As coisas realmente acontecem em um piscar de olhos. 
          Ao sair do quarto de minha amiga para dormir, cheguei na porta do meu quarto, o velho Hollywood, lembrei que as luzes da sala ainda estavam acessas. Virei-me para apagá-las e ao fazer isso fui tomado por uma forte e estrondosa sensação.
          Olhei para trás e tive a certeza que eu estava feliz, a vida estava sorrindo pra mim. Senti que o cosmos tirava uma foto desse momento em minha mente, daqui alguns anos olharei para trás e terei a certeza que aqui fui feliz. Tinha tudo que poderia querer, alcançado meus objetivos. Estava completo. Então, me senti infinito.
          Foi sentir a certeza de que eu escolhi o caminho correto, as pessoas certas para estarem ao meu lado. Era tanto amor, tanta felicidade que chorei em agradecimento. Era a certeza de que estou vivendo. Uma das coisas mais difíceis é nos lembrar deste momento quando o mundo vira as costas para nós. 

         Aqueles momentos em que sentimos que o mal é real, que pessoas vivem sem saber o que é bondade ou sentir o doce afago da segurança. O mundo está cheio de dementadores, de pessoas perderam-se em um mar de frustrações, mágoas, ódio e ressentimento. Muitas vezes, me senti ingrato pela sorte da vida que tenho. Naquela hora, descobri qual a memória daria força ao meu Patrono contra os dementadores.
         Sempre fui um grande fã da saga Harry Potter. Desde minha infância, passava horas a fio percorrendo as linhas e corredores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. A leitura é uma amiga minha de longa caminhada, nos mais diversos momentos que protagonizei. Me permitia viajar para aquele mundo tão mítico, mas ao mesmo tempo tão concreto em suas metáforas. O universo narrado por J.K. Rowling perdeu as amarras do abstrato ao longo de muitas vivencias que tive.
         O Feitiço do Patrono é, sem dúvida, um divisor de águas do universo do Menino-Que-Sobreviveu. Marca um dos momentos mais tristes dos livros e da vida da autora. O feitiço tem uma pluralidade de funções, mas é usado principalmente para defender-se de dementadores.

                                   

         A dificuldade do Feitiço do Patrono, ao meu ver, era concentrar-se em uma memória feliz, a fonte do feitiço. O protagonista da série passa por diversas desventuras até que consegue conjurar a forma mais forte do feitiço, um Patrono corpóreo.
          Seja no mundo de Harry Potter ou no nosso, concentrar em um momento particularmente feliz de nossa vida, é muitas vezes complicado. Vivemos os dias da liquidez das coisas, não há tempo nem para o tempo. Nossa constante busca pelo novo, pela novidade do momento, o acúmulo de informações e a falta de experiências nos joga em um labirinto social em que se perdeu a memória.
           Seja a memória do individuo, seja a coletiva, nossa sociedade passa por um momento em que tudo é passado, mas nada é memória. Tentamos criar memórias para assegurar nossa identidade. Então, percebe cara amiga e caro amigo, que a falta de memória nos leva a não viver. Não lembrar é não viver, mas esquecer são as linhas do viver. Assim selecionamos o que teve significado para nós, o que nos marcou e nos perpassou.
         Por isso a dificuldade da execução do Feitiço do Patrono. Memória é algo vivo, que ainda é presente. Como trazer vida a uma mente sem memórias. Por isso a felicidade é a chave do feitiço. É aquilo que nos faz entender o porque estamos vivos, que ao olhar para trás teremos a certeza de que tivemos dias de lutas mas dias em que fomos capazes de tocar a utopia de muitas almas. Conjurar o Patrono é conjurar sua felicidade.
         Não sei ainda qual seria a forma corpórea do meu Patrono, mas sei que haveria memórias fortes e felizes que o dariam base. Fui dormir com uma calma no coração, tão poucas vezes degustada. Sei que as esquinas da vida ainda estarão repletas com meus dementadores, mas que futuro é certo? Fica-me claro que a vida é um ciclo, em que passamos por muita dor mas por muita celebração. A vida, o mundo, você, precisa de uma revolução. Mas qual a graça de uma revolução que não for feita pela felicidade e pela festa? Afinal, nós queremos ser feliz. E ser feliz é viver, e viver é lutar. A propósito, qual o seu patrono?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jesus dos novos tempos

Parabéns Just Dance!