Coisas de chuveiro

                  Ela abriu o chuveiro, e deixou que o mundo parasse. A água percorria não só a extensão do seu corpo, mas das suas preocupações também. Curioso era que o espelho do banheiro estava todo embaçado, seu reflexo era nada mais que uma sombra. Era assim que a menina se sentia.
              Gotas não escondiam lágrimas, a muito tempo ela prometera nunca mais chorar. Uma menina esperta, você poderia dizer. Uma tola, na realidade é o que passara a ser. O calor do banheiro a preenchia, a fazia sentir-se segura. As frustrações pareciam menores, seus dramas nada mais que uma velha comédia romântica que servia a si durante longos dias. Estava cansada de si mesma.
                    O cabelo começou a pesar, começou a massageá-lo e isso permitiu que tentasse mais uma vez se ver no espelho. Nada. Borrão. A água quente marcava a pele com vergões. O amor a marcara com solidão. Era como se todas as escolhas a tivessem a coberto de insegurança. Ver seus mil amores de uma noite curtir fotos de qualquer pessoa a irritava. "Mas por que?", ela se perguntava, "Eu estou bem aqui. Volte a mim!". Não precisava voltar à sua vida, só precisava bajula-la. Com um ego tão frágil, era interessante como chegara tão longe. Vinte e poucos anos da mais pura busca de um problema insolúvel. Como poderia querer que outro a amasse, sendo que não amava a si mesma?
                     Esfregava o corpo como se desejasse que todos esses pensamentos deixassem sua alma. E por dentro ela chorou. Sofreu por deixar que coisas tão pequenas a machucassem tanto. E no ato mais rebelde sobre si mesma, fechou os olhos e os ergueu em direção do alto do chuveiro. E água levou todos os medos e problemas pra longe. Ela deixou que toda a dor fosse levada ralo abaixo. Finalmente sentia-se leve. 
                 A menina aprendeu que como a água, devia correr e seguir seu caminho deixando as pedras para trás. Havia tanta vida a ser criada por aquela água, era besteira deixar que fosse tudo em vão. A vida não era um filme, muito menos uma música tema de novela. Uma realidade que podia apenas ser sentida. Não tinha como copiar resposta de alguém, tinha que fazer a dela própria.
                     Decidida fechou o chuveiro, enrolou-se na toalha e passou a mão sobre o espelho. Havia chegado a hora, afastar toda aquela neblina que a inibia de si mesma. E se surpreendeu! Havia uma menina com lágrimas no rosto naquele banheiro.
                     Tudo estava bem afinal.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Jesus dos novos tempos

Parabéns Just Dance!